(Re)fazer uma comunidade em torno do canto a vozes de mulheres? Passos de um longo e contestado processo

Abstract

O processo que conduziu ao reconhecimento do cante alentejano pela UNESCO, estimulou, em Portugal, cantadeiras e o município de São Pedro do Sul a solicitarem a colaboração da Universidade de Aveiro na preparação de uma candidatura a Património Cultural Imaterial do ‘canto a vozes de mulheres’, uma prática de matriz rural a três ou mais vozes sobrepostas em movimento paralelo. Foi criada uma equipa de investigação que cartografou 38 grupos formais e não-formais, dispersos por diferentes geografias. Paralelamente, organizámos mesas redondas que reuniram cantadeiras e agentes culturais locais na discussão do interesse, âmbito e impacte da candidatura e do nosso contributo como investigadores. Foi também criada a Associação Fala de Mulheres constituída por grupos de mulheres e mistos. A pandemia Covid19 travou abruptamente esse processo, impedindo os grupos de se juntarem para cantar, seja em contexto de ensaio ou de performance e obrigando-nos a nós investigadores a substituir o campo pela secretária. Ao mesmo tempo emerge uma partilha do sensível mediada pela tecnologia: jovens cantadores geram dinâmicas performativas screen-to-screen, como alternativa à performance face-a-face. Nesta comunicação parto da análise deste processo para discutir (i) o impacte da convenção da UNESCO e regulação nacional (na aceção de Schippers) na sustentabilidade e práticas de canto a vozes de mulheres; (ii) as ecologias de práticas musicais sustentadas no local e na relação face-a-face, no século XXI; (iii) e as estratégia de resiliência (na aceção de Titton) pela salvaguarda do património cultural imaterial, na qual nós etnomusicólogos também temos um papel, nomeadamente na partilha de conhecimento de difícil acesso (por exemplo, documentação histórica que não está disponível ao público nos arquivos e museus), na indagação de modos discursivos que permitam comunicar com mais pessoas e pessoas diferentes, ou na elaboração teórica sobre essas práticas.