Uma nova vida para a velha viola braguesa: dinâmicas de cooperação entre um tocador e um violeiro

Abstract

No século XXI, as violas de arame portuguesas conquistam o interesse de investigadores de diversas áreas disciplinares, adquirem relevância no âmbito de políticas culturais locais, alcançam um lugar em palco, ecoam em edições discográficas, nos media e em plataformas on-line e transpõem 'fronteiras' entre domínios de prática musical. Ademais, multiplicam-se os músicos que exploram estas violas como instrumentos solistas, abrindo caminho a novas abordagens composicionais e técnicas performativas. Todo este dinamismo contribuiu para estimular a partilha de conhecimentos entre instrumentistas e construtores de cordofones, implicados em processos de pesquisa e experimentação que visam adequar instrumentos musicais descritos como 'populares' aos requisitos técnicos e expressivos suscitados por novas abordagens artísticas, num jogo de equilíbrios que procura conciliar tradição e contemporaneidade. Richard Sennett sustenta que o predomínio da produção industrial - com a consequente substituição do trabalho artesanal especializado por tecnologias mecânicas - tem vindo a contribuir para refrear o desenvolvimento de competências de colaboração interpessoal (Sennett 2012, 8). Este sociólogo e historiador define 'cooperação' como um encontro no qual os participantes beneficiam do intercâmbio de saberes específicos, e advoga a partilha de conhecimento como estratégia de otimização do saber-fazer individual (ibid.). O mesmo autor argumenta que a sociedade contemporânea padece de uma herança histórica: o estabelecimento, ao longo dos séculos, de linhas divisórias entre 'prática' e 'teoria', 'técnica' e 'expressão', 'artesão' e 'artista', 'fabricante' e 'utilizador' (Sennett 2008, 11). Com esta apresentação, visamos dar um contributo para mitigar as "linhas divisórias" identificadas por Sennett. Articulando os contributos de um investigador, um tocador de viola braguesa e um violeiro, propomos um debate sobre processos de cooperação e produção de conhecimento, no contexto da atividade de uma oficina de construção de cordofones. Perspetivamos a oficina como um espaço onde se entrecruzam e complementam saberes distintos, designadamente os do violeiro, detentor uma "consciência material" (Sennett 2008, 119) ancorada em competências sensoriais que lhe permitem "explorar as propriedades acústicas e estéticas das matérias-primas" (Dawe 2016, 109-10) e os do instrumentista, detentor de conhecimentos e competências nos domínios da teoria musical, da composição, da interpretação e das técnicas performativas. Como ponto de partida para a discussão, tomamos de empréstimo e adaptamos algumas questões formuladas por Eliot Bates (2012): Como respondem os violeiros à diversidade de matérias-primas, formas, ferramentas e tecnologias atualmente disponíveis? Quais as repercussões dessa resposta no modo de construir instrumentos musicais? Há limites para a transformação? Se sim, 'onde' se situam? Até que ponto podem transformar-se técnicas construtivas, materiais e características formais sem que tal transformação resulte num novo instrumento? Propomo-nos transpor a dinâmica de diálogo e cooperação acima enunciada para esta comunicação-performance, que compreende: [1] um breve enquadramento teórico e metodológico da investigação em curso; [2] uma explanação sobre as características organológicas, matérias-primas e técnicas construtivas aplicadas na manufatura de uma viola braguesa, tendo em vista a sua aproximação aos requisitos técnicos e expressivos do instrumentista e [3] a interpretação, nessa mesma viola, de exemplos musicais, possibilitando à assistência uma perceção sonora dos resultados do trabalho colaborativo entre músico e violeiro.