Música e pós-império: memória e ressentimento nas novas músicas de Cabo Verde, Moçambique e Goa

Abstract

Este painel centra-se no caso do pós-império português, numa proposta de aplicação do conceito de pós-memória tal como descrito por Marianne Hirsch (2008) enquanto a relação que os sujeitos estabelecem com a memória dos seus antepassados, incorporando experiências emocionalmente marcantes que não viveram, mas que lhes foram descritas ou contadas. O pós-império refere-se, neste caso, não a um marco temporal decidido pelo fim da soberania colonial sobre um território, mas a uma realidade dispersa no tempo e no espaço que abre lugar ao pensamento crítico, marcada por descontinuidadades e formas sigulares e íntimas de sentir a memória alheia incorporada. Hirsh desenhou o conceito de pós-memória a partir da análise de textos e de trabalhos artísticos produzidos pela segunda geração de indivíduos, herdeiros de uma memória traumática vivida pelos pais (vítimas do holocausto, por exemplo). O conceito de pós-império funda-se justamente neste pressuposto e alimenta-se das ações, movimentos, processos e discursos produzidos por uma geração de sujeitos que não viveu a experiência colonial – no sentido em que não nasceu e/ou cresceu debaixo de um estatuto de nacionalidade imposto pelo colonizador – mas que a incorpora através da memória dos que lhes precederam. Quase cinquenta anos após o fim da ditadura em Portugal (1974) e a indepedência das colónias (1975) africanas que sucede a queda da India portuguesa em 1961, as músicas do pós-império, protagonizadas por aqueles que não viveram nem o império nem a ditadura ou seja, pela memória do “não vivido”, fundam-se hoje em posicionamentos sensíveis que se estremam entre a nostalgia e o resentimento, entre o revivalismo e a renovação.