A malta do norte: um estudo etnográfico sobre a cena do jazz portuense

Abstract

Esta tese é um estudo etnográfico da cena jazz do Porto com enfoque particular na criação e expansão da Associação Porta-Jazz a partir de 2010. Procura identificar o conceito de cena jazz no contexto de uma região administrativa como a região do Grande Porto e a cidade consolidada, cujo histórico é devedor de uma relação assimétrica com a cidade de Lisboa enquanto bastião e epicentro do desenvolvimento do Jazz em Portugal, sobretudo a partir da criação do Hot Club de Portugal em 1946. A situação de polaridade que se verifica em Portugal entre Lisboa – capital administrativa do país – e o Porto – também conhecida como capital do Norte – tem consequências em muitos níveis da cultura, incluindo o do jazz. Esta tese interpela este universo contextual e procura perceber os processos de consolidação do jazz no Porto, desde um período insipiente durante o qual o jazz teve uma expressão tímida na cidade, até ao percurso que se inicia em 1974 e que culmina com a fundação da Associação Porta-Jazz, e o seu selo editorial. Nesta tese faço uso de abordagens teóricas interdisciplinares cruzando os Estudos de Jazz com a Etnomusicologia e os Performance Studies, tendo recorrido ao trabalho de campo e às práticas de investigação partilhada num permanente processo de produção de conhecimento coletivo com os músicos e enquanto músico e investigador. Argumento que a cena jazz do Porto se constitui através de um processo de desfragmentação de um conjunto de agentes como músicos, instituições e sujeitos comprometidos com o jazz (donos de bares, restaurantes e outros espaços de acolhimento para a divulgação do jazz), que globalmente representam o que o antropólogo Victor Turner define como communitas, enquanto modo de representação de indivíduos liminais, ou seja, nas margens da sociedade hegemónica. A história do Jazz no Porto representa uma memória subterrânea e contra-hegemónica fruto de um constructo maior e herdeiro de um discurso que privilegia a comunidade, a solidariedade, a communitas per se. Finalmente, a tese discute o estado de permanente transitoriedade e liminaridade na Associação Porta-Jazz e como este estado se organiza num movimento artístico, estético, ético, político e contra-hegemónico.

The present thesis consists of an ethnographic study of Porto's jazz scene, focusing particularly on the creation and expansion of Associação Porta-Jazz (the Porta-Jazz Association) since 2010. It seeks to identify the concept "jazz scene" in the context of an administrative region such as that consisting of Greater Porto and the city of Porto itself, which historically maintains an asymmetrical relationship with the city of Lisbon, bastion and epicentre of the development of jazz in Portugal, above all since the creation of the Hot Club de Portugal in 1946. The polarised situation that can be observed in Portugal between Lisbon, the country's administrative capital, and Porto, which is also known as capital of the North, has consequences on many levels of the country's culture, including that of jazz. The present thesis investigates that contextual universe and seeks to perceive the processes by which jazz becomes consolidated in Porto, from an initial period in which the presence of jazz in that city was limited, up to the period which begins in 1974 and culminates with the founding of Associação Porta-Jazz and its editorial label. In the present thesis I use interdisciplinary theoretical approaches, bringing together Jazz Studies, Ethnomusicology and Performance Studies; I undertook field work and an "investigação partilhada" (shared investigation) approach, in a constant process of production of collective knowledge with the musicians, being myself both musician and investigator. I argue that Porto's jazz scene is established by means of a process involving the defragmentation of a group of agents such as musicians, institutions, and other people involved with jazz (owners of bars, restaurants and other such spaces where jazz is promoted); together, they represent what anthropologist Victor Turner defines as communitas, as a way of representing liminal individuals or, in other words, individuals on the margins of hegemonic society. An account of the presence over time of jazz in Porto represents a subterranean and counter-hegemonic memory, that results from a larger construct which inherits a discourse that privileges community, solidarity, communitas per se. Finally, the present thesis discusses the state of permanent transitoriness and liminality of Associação Porta-Jazz, and how this state organizes itself into an artistic, aesthetic, ethical, political and counter-hegemonic movement.